segunda-feira, 4 de maio de 2009

Clemência Tardia XXI


São quatro paredes fechadas sem saída
Cansados e feridos, sem dor nem agonia.
Mas por algum motivo estamos reunidos aqui
A agüentar as últimas juras de amor de quem nos sucede

E quando cegos abrimos nossos olhos vendo tudo embaçado
Enfim a fumaça-veneno vendou a nossa visão
Duvidamos até da nossa própria razão,
Encontramos-nos, camaradas, num campo de concentração.

Não interessa quem somos ou o que fazemos
Não importa quem fomos ou para que vivemos
Somos apenas números de um a vinte um
Derrotados aspirantes do diabo.

Um contra todos e todos contra um
Inimigos dos nossos pensamentos, pensamentos de vinte um.
Sentíamos o veneno corroer nossa garganta lentamente
Morrendo aos poucos por um ato inconseqüente

Louco é aquele que assume o poder de uma nação.
Aplaudidos por palmas de um povo que vai gritar em vão
Seus filhos andam com armas de fogo na mão
Estimulados por um ideal de aniquilação

E se morreremos um dia, que morra de amor.
De uma bala perdida por aí, sem fé nem dor.
Mas pedimos a Deus que perdoe o nosso ateísmo
É pecado não saber o que é pecado? Talvez nós não devêssemos estar aqui.

Damos nossos últimos adeuses já cambaleando sufocados
Uma lágrima solitária escoa pelo nosso semblante.
Morremos por mera coincidência, simples acaso.
Fomos apenas números de um a vinte um

O toque da estrela



Era noite de festa, não diferente das outras, mas ela tinha um ar especial. A mesa de jantar estava recheada, com todas aquelas comidas caseiras. Era dia das mães.


Tinha uma menina na janela, sozinha, não havia uma alma viva naquela hora da noite nas ruas da cidade. Tinha os cabelos encaracolados como uma mola e os olhos escuros que se tornavam claros quando olhava para as estrelas.

Aproveitava a ausência de seus responsáveis para ficar debruçada na janela vendo o único show que não poderia passar na televisão. Aliais, ela abria mão de seus brinquedos e TV, para simplesmente contar as estrelas. Sabia que seus pais não tinham condições de lhe dar tudo, então se contentava com aquilo que era de graça, que fica acima de sua cabeça, mas que ninguém parava um segundo para ver, pois se preocupavam demais com o horário de seus compromissos.

Incrível como não havia uma nuvem no céu, parecia que as estrelas estavam posando só para ela, então resolveu pegar papel e lápis para começar a desenha-las. Esforçava-se ao máximo para fazer o melhor desenho possível, queria dar de presente de natal para sua mãe. “Eu tenho certeza que a mamãe vai amar”, pensava a menina ainda debruçada em cima da janela.

Ouviam-se passos de dentro da casa, era seu irmão mais velho que preocupado veio correndo em direção da sua irmã, tirando ela de cima da janela.

- Você está louca? Podia ter caído, sabia?

- Só estava vendo as estrelas... – Mantinha o olhar fixo para a janela.

- De novo com essa história de estrelas? Já temos problemas demais, fica direitinho aqui, certo? – Ele a colocava no chão e saía.

- Porque seus olhos estão tão vermelhos? Responde-me! Volta aqui... – Tarde demais, ele já havia saído.

Sentou-se no chão e abaixou o rosto, começando a fungar baixinho, como se estivesse começando a chorar. Lembrava então do papel que estava em sua mão, aquele que havia desenhado para sua mãe com tanto carinho.


Foi correndo para o quarto, saltitante. Tinha certeza que sua mãe iria adorar a surpresa, ela sempre gostava de seus desenhos. Abriu a porta com bastante cuidado, viu seu pai em pé em frente da cama. Aproximou-se dele, e viu que sua mãe estava deitada, dormindo. A menina passou reto dele e foi até onde estava sua mãe e mostrou-lhe o desenho, mesmo ela estando desacordada. O pai estava um tanto nervoso, parecia que havia levado um choque emocional. Chegou perto da menina e a pegou a no colo, indo em direção á janela e apontando para a estrela que mais brilhava no céu.


- Minha filha, a sua mãe virou uma estrela. Ela sempre vai estar com você.

sábado, 2 de maio de 2009

Confidência I




Estava pensando em escrever algo, sair um pouco do esquema “escola, cinema, clube e televisão”. A vida se torna muito azucrinante quando ficamos presos ao calendário, ter dia e hora certa para chegar. Pode parecer muito comum as agendas e suas datas, mas elas não têm nenhum valor, pois induzem o ser pensante a estar preparado para os acontecimentos.

Então resolvi me afastar um pouco e quebrar as regras que foram tatuadas na minha testa desde que nasci. Não foi culpa minha, afinal, esse é o sistema. Todos os bebês têm cara de joelho porque são iguais, a única coisa que os diferencia é o sexo.

Ao longo dos seus cinco anos de idade você vai aprendendo coisas que parecem óbvias para agente, mas ao mesmo tempo nem tão óbvias. Coisas variadas, como não furar com o lápis o olho do amiguinho ou falar palavrão pra titia da escola. Mas quem disse que eu não poderia furar o olho do meu amiguinho com o giz ou falar palavrão da titia do mercado? Assim os bebês já não bebês vão se diferenciando.

Entre os cinco e dez anos, as coisas já se tornam mais graves. Surge o ‘pingo de caráter’. Seria como se fosse uma raiz para a formação do caule, seria a primeira semente jogada na terra para a formação da personalidade. Se ela vai germinar ou não, isso depende da força de cada um, porém se ela for regada regularmente pode trazer os frutos mais deliciosos do planeta.

E vocês acham que o processo acaba assim? Ele só começa. Existe uma entidade não governamental e que não está escrita em nenhum artigo judicial, chama ‘júri popular’. Não é o júri que vocês conhecem, mas é aquele que nós passamos por ele todo dia, seja para ir para a escola, faculdade ou trabalho. Ou qualquer lugar. Somos julgados pela nota que tiramos, pela roupa que usamos, pelo dinheiro que ganhamos e por onde e com quem andamos. Estes quesitos proporcionam a cada um, duas escolhas : ser alguém com hábitos normais que vai a lugares normais com pessoas normais vestindo roupas normais ou ser alguém simplesmente diferente por negar aquilo que é habitual, negar as agendas e padrões sociais.

Eu optei pela segunda opção e fiquei com 5 na prova, pelo menos eu não estou na ‘média’.